curta gregório é um garotinho. cinco anos, talvez, é o máximo da sua idade. ele está estudando. uma sequência de números. um, dois, três, quatro, cinco. até dez, tem que escrever no seu dever de casa. seu pai senta-se exatamente ao seu lado, no sofá. com um prato de comida, no colo. arroz, feijão, farofa, frango assado. não tem muito apetite. olha de soslaio para o que faz o filho. olha para a tevê, de novela medíocre. o filho puxa papo: "olha, papai, minha borracha!". outro soslaio - lembra-se daqueles puxa-sacos do trabalho -e o pai, mastiga, porco, responde "sei". "sabe, a minha amiguinha gasta mais borracha do que eu". outra colherada. olhos na tevê. uma voz que fala. a mulher é praticamente cega, olhos na tevê, bem abertos, como se a pupila, além de luz, pudesse captar também o máximo de imagem e informação. "pai! olha a borracha! eu gasto ela quase toda!". o pai, em um lapso, solta a colher e soca com a mão endurecida a cabeça do menino, com a mesma que força que bate as peças na fábrica, para encaixarem umas nas outras. "moleque, safado, se tá gastando assim sua borracha quer dizer que erra mais do que os outros. burro. idiota. vai estudar e não quero escutar um pio." o menino apenas olha. calado. sente a dor. permanece em silêncio. silêncio de quem está acostumado. ele não errou, ele estava errado.
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