crise nominal.
eu me lembro que desde pequena tenho essa crise nominal. de fato, nunca gostei do meu nome. vivi me dando outros nomes, muitos deles chegaram até a ser 'espetaculares' e, assim como se mente a idade em bate-papos, eu mentia meu nome de identidade. não porque acautelava-me, mas somente por pura negação ao meu ridículo nome.

uma vez, eu era pequena, meu pai disse que meu nome era para ser outro, no caso o da minha avó paterna: apolônia. eu então disse-lhe, que gostaria que tivesse sido nomeada assim. ele ficou muito emocionado e eu também; no entanto, não havia nobreza em meu sentimento, pois eu só queria ter outro nome, fosse de quem fosse..
durante anos, pensei em outros nomes. mas nenhum deles jamais me pareceu perfeito. tive diversas fases em busca dessa excêntrica busca de identidade. e, o que mais dificultou isso e percebo hoje, foi - e é - a necessidade que sinto em assimilar um nome à minha qualidade de espírito, logo, como alguém altamente instável, torna-se óbvio a minha falta de sucesso..
eu chamaria isso que sofro de crise nominal. até hoje tenho problemas em me indentificar com a assinatura no papel.. não. minto. quando o assino, parece-me indiferente de tão automático, mas se em seguida eu parar um segundo para olhá-lo, entendê-lo, encarná-lo, simplesmente vou abaixo, perco chão e já não sei quem sou. sim, excêntrico assim. e é isso que me corrompe, corda partida, fio a fio, forçada sob grandes puxões e que não resiste. mas como uma corda volta a ser como antes?

camila. é o nome mais claro que lembro desde que tudo isso desencadeou definitivamente. achava-o simples e bonito. e não sei definir essa fase, apenas que ela foi bastante singular, durando o bastante até eu descobrir que precisava de um bom motivo para trocar meu nome..com certeza, só sei de uma outra fase, a de nome espetaculares, a qual veio depois dessa. e talvez sido uma piora dessa preocupação em me definir um nome: planejei demoradamente como faria para mudá-lo, depois de ter conhecimento de tal possibilidade na lei. isso foi cruel e não obtive resposta senão desgastamento. surgiu então uma solução daquilo que eu mastigara ainda há pouco: junto com a crise nominal e a necessidade de me associar a um nome, no bolo elementar formado, sem saber por onde ir, ao estômago ou às vias de ar, entalou-se na glote e me fez soluçar: com um novo nome, eu pensava se eu seria uma pessoa diferente. camila me faria diferente? mudaria meu rosto? minha voz? essas questões, implicando em novas personificações, muito me preocupavam. pois que a tendência era piotar e cheguei a conhecer outras meninas com nome de camila e isso só me fazia engasgar, engasgar; muitas delas eu não gostava, logo o nome não me combinava. fiquei vazia, sem idéias e sem nome. e com tosse.
e houve aversão, ainda maior, com meu próprio nome quando o via em outras pessoas. fato este me lembro claramente de um em particular: na terceira série entrou uma menina que então falaram ser minha chará. eu a odiei de súbito. pouco depois, houve um pequeno furto na sala. a professora tinha ganhado um chocolate. não lembro bem, mas a turma, crianças do buchão, queriam-no e ela então o prometera de alguma forma.. deu-se que à hora do recreio todos partiram mas eu, claro, naturalmente reclusa, fiquei em sala. a única coisa que lembro posterior a isso é o retorno da aula com a professora reclamando do furto. ora, eu era incriminada. a próxima cena que posso me recordar é que a meliante era a tal chará..minha repugnância só aumentou, pois meu nome estava ligado a aquele ato obsceno.
por outro lado, para que essa comédia não seja assim tão trágica, é válido dizer que entre as pessoas que conheci com o mesmo nome, e não foram muitas, foi uma que estudei junta desde o primário. mas eu não conseguia fazer uma comparação entre nós porque o nome dela tinha um y e isso parecia torná-lo um outro nome, totalmente diferente do meu. em uma outra ocasião, mais velha, conheci uma outra garota. neste caso, o que não me fracassou foi uma vez ter podido superá-la em um exercício de inglês. enfim que pude fazer uma comparação sem high dramas.
um outro aspecto é o mesmo de todos os nomes: a tendência de se apelidar. e sempre tive apelidos. em casa mesmo foram muitos deles, indo de coisas do inglês ao português, tudo muito arcaico. nenhum deles, entretanto, assemelhavam-se ou derivavam do meu próprio nome; conseqüentemente, isso reforçava a idéia de que aquele nome não me pertencia. alguns anos mais tarde, uma de minhas mil e uma tias veio do sul para morar conosco. logo ela começou a me chamar por um apelido que muito apreciei e acabou por pegar. todos me chamavam por ele. nos chats, anteriormente nicknomeada de natasha (que por muito tempo enganou várias pessoas), quando me perguntavam o verdadeiro nome, eu dava esse apelido. até ao fazer novas amizades, pessoalmente, me introduzia por este apelido. alguns amigos, recentemente, chegaram a dizer que não sabiam que meu nome era outro..
na escola, além do apelido, fui habituada a ser chamada pelo sobrenome. muito gosto, embora conseguiram fazer trocadilhos bestas com ele. falando em sobrenome, um deles também muito me perturba. e se quiser me irritar, é só me chamar por ele. ¬¬

já a fase de nomes espetaculares foi muito engraçada. eu falo espetaculares no sentido de serem escalafobéticos, ou mesmo, neologisticamente, rebuscados.. quando me lembro dessa fase, não sei exatamente porque a desenvolvi. os nomes não eram diretamente a mim, mas aos meus personagens. era uma época que eu escrevia muito onde os rapazes sempre tinham nomes que posteriormente vim conhecer como "nomes mexicanos". não me lembro com certeza de nenhum agora (lembrando que tenho uma péssima memória), mas eram do tipo carlos felipe ou carlos caio (esse tenho certeza) hahahaha. já as meninas tinham que ter todo um exotismo nominal, ou seja, enchia-os de exageradas combinações de letras, principalmente daquelas ainda não reconhecidas no alfabeto brasileiro como o y ou o w. era o caso de jhennyfer (e na falta de qualquer outra lembrança, esse já basta). analisando hoje, talvez essa opção por letras estrangeiras se deva já ao meu precoce e infindável apego ao abroad.

felizmente, essa fase passou sem necessarimente decair, pois que me dediquei aos nomes simples. não por serem menos berrantes, mas por diminuírem de tamanho. a mudança é tênue, porém não deixa de ser uma mudança. à essa altura, eu lia bem mais, sendo decisivo numa nova fase nominal de homenagens e com íntima ligação à dualidade filosófica (que de fato nunca abandonei): quesnay acabou por nomear um de meus personagens em sugestão ao filósofo. esperava de fato que uma antropofagia o torna-se o verdadeiro françois. por outro lado, menos ideológico mas igualmente antropofágico maison veio de uma criança linda e pentelha que estudou no mesmo colégio que eu. tentei conquistar seu amor, mas em seus 4 ou 5 anos, ele jurou pegar a arma do pai e me matar oO. pasma, prometi-lhe um chocolate, o que o acalmou mas acabou não recebendo nunca porque eu lhe nutri grande desamor depois desse evento. o personagem, sim, ganhou seus olhos e sua rebeldia e minha compaixão. sim, sempre nutri amor pelos meus personagens mas isso talvez seja motivo para outro post. como pode se rperceptível, esses foram um dos primeiros personagens feitos contraditoriamente à regra já que ainda estavam sob a influência da última fase. na verdade, eles estão precisamente sobre a mutação que me ocorria.
os que vieram em seguida, como toda vanguarda ordinária, representaram uma total renegação ao movimento posterior: lia, a namorada de maison, era o resultado de minha eminente paixão por nomes minimalistas; jonatas (não lembro se tem um 'th'), representava o abandono total de nomes masculinos com tendência mexicana; noa(h), o dualismo de jonatas, simbolizava o início de uma outra fase, a de nomes que criei. entretanto, o doloroso foi descobrir que noah é noé em inglês. contudo, nunca me descridibilizei pelo fato de desconhecê-lo totalmente naquela época; ana, a filha de maison e lia, vem a firmar a fase que pendura até hoje de nomes simplistas que muito me agradam por fim.
depois de camila, clarice esteve muito tempo na lista de nomes que eu almejei ter. a maior simpatia veio com uma música do renato (russo), e ligando o nome à pessoa, muito me assemelhava à época. porém, outra vez fui abatida por ter que alegar perante a lei o porquê do desejo de mudá-lo; na ausência de um motivo mais significativo (horrível, antipático e nojento) para isso, aparentemente ele permanecerá até a morte.
por outro lado, se eu conseguir achar algo convicente, até lá, diante desta impotência, como foi visto em meus personagens, ainda crio intensamente novos nomes. estes têm sido temperadamente bizarros. e tudo continua a afetar minha vida.

ano passado, quando mencionei em uma aula de inglês que gostaria de me chamar koialaya, o qual criei para uma personagem, riram muito. muito mesmo. eu permaneci inabalada. eles não podiam, talvez nunca poderão, entender ou sequer sentir minha luta secular com esta crise nominal. antes de koialaya veio kaduovah. alguém inclusive me perguntou se este é russo. disse que não, mas talvez um dia eu esteja frente a um kaduovah real como ocorreu com noah.
atualmente, sinto que estou na fase mais intrínseca da minha crise. desta vez, ela não está diretamente relacionada ao meu nome, mas aos que uso em um programa de chat. o problema é que ainda me sinto fortemente inclinada a ter minha personalidade identificada de acordo com meu nome. e talvez isso agrave pelo fato de que esses nomes tendenciaram a serem masculinos - e estrangeiros. e, quando eu sinto que sattelites ou alertas e sons não representam mais meu estado de espírito, passo verdadeiros mals bocados até encontrar um que decodifique-me. até a última vez que iniciei a composição deste, sentia-me perfeitamente representada por jack, figurada pela foto acima, e que parecia substituto apropriado depois de tantas tentativas frustradas (acredite). não posso dizer que é questão de costume ou abuso rápido, pois alguns amigos já tentaram se acostumar com essas constantes trocas de nomes, mas..no mais, agora me chamo doroth e que seja eterno enquanto dure.

finalmente, eu não me sinto a única sofredora dessa crise nominal nesse mundo. é claro que se ela existe, e estou certa disso, existe com outros aspectos, mas essencialmente consiste na incapacidade de encontrar um nome que lhe diga por completo. e que sobretudo não haja brechas para o exaustivo sentimento de crise de identidade. eu chego a imaginar que isso seja mais recorrente do que se imagina. pego as celebridades como exemplo. a partir de que pressuposto um evanildo passa a se chamar roberto carlos? será que quando famoso evanildo não representará sua imagem de glamou? sem querer retornar a falar sobre isto depois de tanto, incito ainda o leitor a se lembrar dos pseudônimos. e para não restar dúvidas, que não se esqueça os heuterônimos. o que fez fernando pessoa, sem a menor necessidade de ocultar sua célebre carreira, criar alberto caeiro tão real quanto ele mesmo?

óra..

[no google, procurando saber se haveria outras pessoas sofredoras dessa crise nominal, acabei por encontrar uma história que vale a pena conferir:
http://betomuniz.blogspot.com/2005/12/nominais.html]

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