ágio.
quase purgações



a sharon morreu.
foi encontrada por um primo na calçada quando vinha para casa. chegando aqui, falou à mãe sobre, que resolveu ir lá buscá-la. sharon era magra muito magra. respirava rrrrrannn rrrannn tinha olhos tristes, também. e era assustada de um tanto! todos nos apiedamos. na verdade, eu sempre me apiedo das coisas do mundo. quase me há a vontade de chorar. quase não, a há. colocamos ração do miomio, o gato mais velho da casa, da mesma cor de sharon, que lembra o garfield, também trazido da adoção, e leite para sharon. ela bebia. o tio disse que ela não ficaria. mas o filho mais novo bateu o pé e ela ficou. sharon talvez mal acreditasse que existem pesssoas que ainda se importam nesse mundo. quero chorar e bright eyes ajuda para isso. ele diz "i will leave you anymore". é, como sharon, eu também quase acreditei.

alguns dias depois veio lita. branquinha e bem tratada. veio da casa da tia que há muito cria gatos. a lita é mais esperta, viva, brincalhona, típico gato que se enrola na lã. as coisas eram diferente. sharon dormia em um quartinho, eu lhe levava leite e ração. mas ela mal comia. depois de um tempo, passou a andar pelo quintal, tomar sol e atender rrrrrr rrrr quando a achamava: "datiiiiinha". quase se derretia. era carente sharon.

quando a mãe a trazia, no primeiro dia, da rua para casa, um dos meninos vizinhos disse:

"ih, tia. pega essa gata aí não. eu tava dando um monte de chute ali ne agorinha!"

foi terrível ouvir isso.

quantas pessoas não maltrataram sharon nessa vida?
mas que bom que ela teve oportunidade de conhecer o outro lado da vida.
a pus para dormir dois dias no meu quarto, à pedido do irmão mais novo. ela se encolhia na minha cabeça, entre meu cabelo. seria-lhe um ninho? rrrrrrrann rrrrrrrrrrrrann kaila quase morria de ciúme. e sharon fez xixi e cocô no quarto. e sharon não durmiu-me mais. um dia depois, miou-me à porta mas não abri. parti-me o coração mas não abri. fui cruel.

e então veio o dia que o pai bêbado abril o canil, os cachorros saíram.
eu dormia em meu quarto.
na verdade, quase dormia.
a tia começou os gritos.
saí muito aborrecida.

"a gata! a gata!", gritava-me.

e quando eu alcancei, sharon estava estirada na grama, sofrendo muito - meus olhos enchem-se de lágrimas. é dor lembrar! -, uma linha de sangue saindo da sua boca, a respiração asmática, que outrora a tia vivia dizendo que quase seria preciso emprestar-lhe a bombinha contra a asma, agora muito muito forte. os olhos bem abertos. os olhos tristes. encaravam a realidade. encaravam a morte. eu fiquei ali. pegava-a. minha tia relatava. o pai bêbado abrira o portão e a natasha pegou a gata na boca, quando a tia viu já não era tempo de se salavar. eu olhava sharon e não queria chorar. era impossível não pensar:

"porque logo a sharon, meu deus?"

eu tentava pegá-la.
eu estou aqui, sharon.
me veja!
há pessoas que ainda se importam!

sharon morria
eu vi a vaquinha dar o último suspiro também.

sharon queria viver?
haveria ainda esperança nessa vida?

chorei.
como agora que quase agora estou a ponto de.
não foi permitido-me segurar, porque sei bem o que é não acreditar.
sharon pôde escolher e ela escolheu partir.
eu vi isso
quando ela pensou que não gostaria jamais "to suffer again".

o pai bêbado:

"pára de ser besta, minha filha."

sharon morreu e eu a deixei ali.



1 comment:

  1. Anonymous7:47 pm

    ah, que te amo e vou em brasília. Tudo que eu queria é te ver. Vou em brasília e quero só te abraçar. E depois ir.

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