old man, old sea.

kaduovah. 16 anos. hoje completam-se 2 anos desde a morte de liz. ele está na balsa onde o corpo dela foi colocado e deixado 'a deriva. alguns meses depois, a balsa retorna. vazia. tão vazia como a vida parece ser às vezes. por que ele está aqui? há a lama da beira do lago nas suas botas, nas suas mãos.

ele olha para o sol. o sol não fere mais seus olhos, como feria há quatro anos. e ele tem esse ramo em suas mãos, de com folhas verdes, que ele desfolha.já fazem duas horas que ele grita por ela. por liz. sem resposta, vai embora, ao fim do dia, com o crepúsculo pesando na sua fronte, com um lago calado às suas costas.


kaduovah. 23 anos. 9 anos desde a morte de liz. não há a balsa, apenas o lago. esse lago denso e de águas escuras. e isso parece deixá-lo tão tenso. há dois publicou seu primeiro livro, 'a secreta linguagem do sol'. liz certamente detestaria. mas quem era ela? ele veio ali buscar respostas, mas tudo que ouve é a balsa vacilar sobre a água fria.

ele pega uma pedra e atira no lago. se pudesse, se não fosse as águas escuras, a observaria afundar. ele percebe como perdeu aquela pedra para sempre, para um mundo obscuro. quantas pedras haverão lá embaixo? quantas foram simplesmente atiradas ao acaso? quantas pedras estão revestidas por musgo? sob quantas pedras há um cristo?

e mesmo assim, na superfície, aquela pedra, talvez como muitas outras, provocou ondas no ponto por onde penetrou. causou um efeito borboleta, uma tragédia, uma sonoridade visivelmente circular, entretanto inaudível mesmo aos ouvidos mais apurados.

ele pega outra pedra e atira no mar.

mar?

meneia a cabeça negativamente, olha para a lama em suas botas. retira as botas e as deixa ali. serão duas horas até chegar em casa, à velha casa. seus pés irão congelar. mas lhe parece mais sensato, menos dolorido do que aquela dor, do que aquela lama lhe sujando das botas à alma.

então ele percebe que precisa deixar suas luvas, seu cachecol, suas roupas.

kaduovah. 30 anos. não usa bengala mas já sente o peso da vida em seus ossos, em suas costas, em suas juntas, artérias e bombar do coração. mesmo o ar de outono é difícil de respirar e todas essas folhas laranjas, marrons e amarelas forrando o chão lhe recordam a aproximação da morte, a exumação de pensamentos sobre a própria morte. por que os homens ainda temem pensar sobre isso, a morte?

a morte é inata, inerente ao homem. as células têm seu tempo de vida como os remédios o têm. os tecidos do corpo humano se decompõem como se decompõe uma roupa, uma folha, uma nuvem. as lágrimas secam como seca a terra. todos morrem, como morre a esperança. então por que evitamos pensar no nosso fim? pense você agora sobre a sua própria morte. muitos se assustam, afastam a idéia. não querem. simplesmente, não querem.

kaduovah olha para o céu e acha tudo irreal. old man, old sea. ele vai embora pensando como a vida lhe parece uma aposta contínua. uma briga infinita de se insistir em viver. puro egoísmo, ele diria. mas o que isso importa? ele pensa em liz agora como restos mortais, como uma dúvida constante de se aquele tempo realmente existiu. ela já não importa, pensa, mentindo para si mesmo.

kaduovah. 55 anos. seus olhos são profundos e ele olha pra tudo isso com gozo. depois vai embora. não há mais porquê voltar aqui.

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