ética e jornalismo

enio silveira

com sua mordacidade habitual, paulo francis me disse um dia que, em matéria de exatidão da imprensa, nem ao menos na data dos jornais se pode acreditar, sendo útil e oportuno confirmá-la sempre com o calendário mais próximo.

competente profissional, cuja agressiva ironia suscita elogios e animosidades quase na mesma proporção, ele sabe muito bem o que pode acontecer em qualquer parte do mundo - e frequentemente acontece - quando um periódico de grande circulação (ou nomeada maior do que ela) se põe a colorir, escamotear ou simplesmente adulterar notícias para dar maior impacto a alguma campanha a que esteja se dedicando. [naponeon perguntasse: refere-se o autor ao episódio de paulo francis com rui barbosa? grifo em negrito meu]

o jornalismo noticioso e investigativo se transforma, então, num jornalismo instigativo, tornando o objeto dessa campanha mais importante em si do que fatos e personalidades em debate possam efetivamente revelar. [grifo em itálico do autor, em negrito meu]

todo estudante universitário de comunicação sabe perfeitamente do papel que desempenharam o new york journal, de william randolph hearst, e o new york world, de joseph pulitzer, na instigação da guerra hispano-americana de 1898, ao violentar ignominiosamente a verdade dos fatos relacionados com a explosão do cruzador norte-americano maine, ancorado no porto de havana. a espanha perdeu a guerra e os estados unidos se apoderaram de porto rico e de cuba. como se vê, os fins justificam os meios.

o famoso dito de josé maria de alkmin, "o importante não é o fato, mas a versão do fato", parece ter-se transformado, para muitos editores de jornais e revistas, o lema que suplantou o "exatidão, exatidão, sempre exatidão", que ornamentava a redação do new york world ao final do século passado.

as versões ganham mais frequentemente as primeiras páginas e as manchetes do que a verdade nua e crua. a verdade e o desmentido, por mais consequentes que sejam, são relegados a páginas anteriores, quando o são.

(...)

entende, porém, que, sob os mais elementares princípios éticos, qualquer ser humano - político, figura pública ou privada - tem direito à manutenção de sua intrínseca honorabilidade até que, comprovadamente, venha perdê-la por ação ou omissão.

assim, caberia aos órgãos de informação "separar a notícia da campanha, o interesse público dos preconceitos das empresas, a causa social das idiossincrasias dos donos de jornais".

e conclui: "ainda que ele fosse o maior vilão da história do país - um país que os vilões podem ser heróis de acordo o jornal que escreve sua história - não seria aceitável que, a pretexto de denunciar crimes, a imprensa cometesse outros".

(a apresentação do inesquecível enio silveira para o livro "jornalismo de in(ve)stigação, de sérgio buarque de gusmão, que ele editou na civilização brasileira, rio, 1994).

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