Como contribuir para um mundo mais tolerante


Outro dia eu e Luquinhas, 9 anos, fomos na papelaria comprar etiqueta para seus livros. Tínhamos duas opções: a etiqueta tradicional, que é toda branca, com letras e margem vermelhas; e uma personalizada com  bichinhos do desenho Disney/Pixar "Procurando Nemo", em tons de azul, lilás. 

Disse a ele, então, que escolhesse entre as duas. Ele, muito desapontado, apontou para a etiqueta tradicional. Perguntei por quê, já que era feia e sem graça. Prontamente, respondeu-me que a outra era de "mulher". Ah! Eu tive um siricutico. Por que diabos seriam de "mulher"? O que significava algo ser de "mulher"? Quantas vezes já tinha lhe falado que não existe isso de "homem" ou de "mulher"? Se a gente gostava de uma coisa, não devíamos nos importar se aquilo parecia de "homem" ou de "mulher". 

Tudo isso eu ia dizendo, com as outras duas únicas clientes juntamente com o dono da loja à nossa volta, subitamente silenciosos, a nos entreouvir. Mas eu pouco me importava. O importante era que Luquinhas me dissesse por que não gostava da outra etiqueta, colorida. Se era por causa dos peixinhos, não fazia sentido, porque até onde me lembrava ela retratava personagens do desenho que ele mesmo já tinha assistido. E, por algum acaso, ele não pudera assistir porque era de "menino" ou de "menina"? Ora, que me dissesse logo! 

Parece, contudo, que isso despertou-lhe a razão. Quando perguntei mais uma vez qual queria, disse-me dessa vez que seria a dos peixes. Claro, expliquei-lhe que se ele queria mesmo a vermelha, o que eu poderia fazer? Tudo bem, então. Apenas, desejava que ele entendesse que não existe essa besteira de "homem" e de "mulher". Ele ainda tinha, contudo, o direito de escolha. Que levássemos a vermelha! Mas ele foi firme, sincero e objetivo: queria, de verdade, levar a dos peixinhos. 

Maravilha! Paguei e, em casa, quando fomos colar os adesivos, Luquinhas estava animado e indicava qual levaria em cada livro. Disse-lhe, mais uma vez, como era importante que escolhesse aquilo que bem lhe apetecesse, independente do que os outros pensariam em termos de gênero. 

Ele anuiu, satisfeito e eu aliviada. Senti que tinha feito minha parte, a de contribuir para um ser humano mais tolerante. Então, comecei a pensar sobre como podemos colaborar para a transformação de um mundo menos impassível por meio de ações que partem de nós mesmos e atingem alvos imediatos, como o Luquinhas.

Recordei-me que, algumas semanas antes, comentava com minha irmã que um amigo talvez tivesse que recusar um determinado convite porque não tinha outro para seu marido. Luquinhas estava presente durante a conversa, entretido com algum jogo de celular, mas, a menção ao "marido", chamou-lhe a atenção: como assim? um homem casado com outro homem? era isso mesmo?

Olhei para minha irmã, a qual se adiantou e foi logo explicando que, sim, um homem pode casar com outro homem, mulher com mulher, assim como mulher com homem. Ele entendeu imediatamente, não fez mais perguntas e voltou ao seu jogo de distração, como se não precisasse mais pensar sobre aquilo.

E é bom que tenha sido assim, isto é, que não precisasse refletir muito sobre isso, aceitando-o como algo normal, mesmo porque vinha de duas pessoas as quais ele respeita e confia. Embora não tenhamos nenhum exemplo de casal gay em casa, o que justifica um pouco o seu estranhamento, é nossa função ser-lhe um modelo indireto, de quem aceita e entende as diferentes possibilidades de relações humanas, pois é o que existe no mundo lá fora. Apesar de ele ter esquecido desse ensinamento durante o episódio que relatei acima, foi importante no sentido de reforçar a ideia de tolerância, esta vez com um exemplo diferente.

Agindo assim, acredito que estamos ajudando-o a ter maior discernimento em situações futuras, evitando que julgue, violente ou mate casais gays ou deixe de comprar blusa rosa, fazer balé e cozinhar porque acha que é errado.

2 comments:

  1. Excelente texto Janinha! você está contribuindo e muito para criarmos seres humanos mais tolerantes com o quer que apareça!
    Parabéns minha amiga! Luquinhas é mais feliz por tê-la ao seu lado.
    Beijos,
    Aninha Juliano

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    1. Aninha, querida, a gente vê cada coisa aí fora que não podemos nos abster da obrigação de dar o exemplo às pessoas próximas, principalmente crianças, que são umas esponjinhas que absorvem tudo que a gente diz e faz! Também sou feliz de conhecer você, pois é um exemplo de grande honestidade e bom discernimento ;) Beijão!

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