Estava me recordando do caso de Oprah Winfrey na Suíça e de algumas situações que passei -e passo - no Brasil.
No início do ano, entrei na Luigi Bertolli em busca de vestidos. A vendedora que, de praxe, não se importou com minha presença até eu indagá-la sobre minha solicitação, disse-me que a promoção ficava do outro lado da loja. Eu respondi, educadamente, que não queria promoção, queria vestidos. Ela mal mal me indicou onde ficavam. Todos horrorosos, não comprei nenhum. Ela certamente deve ter achado que era porque eu não tinha dinheiro.
Outro caso curioso é que, todas as vezes em que entro na Kopenhagen, onde tem um chocolate amargo que simplesmente adoro, preciso ignorar a apatia das vendedoras até sacar meu cartão de crédito que praticamente uso apenas para débito. Pergunto-me se elas não acham curioso o fato de eu não ficar perambulando pela loja, como se estivesse ali pela primeira vez, mas saber exatamente o que quero.
Quem me conhece, sabe que não tenho uma fortuna avaliada em 2,5 bilhões de dólares (R$ 5,7 bilhões) como a Oprah, mas que uso carteira reciclada de caixa de leite, com dois cartões de crédito; a carteira, foi presente de um alemão.
sabe que fui educada em uma escola particular a vida inteira; aprendi inglês desde os 12 anos idade e, no momento, falo três idiomas; sabe que fiz natação por mais de dez anos; sabe que tenho dois planos de saúde; sabe que comecei a andar de ônibus efetivamente com quase 16 anos de idade;
sabe que sou Bacharel em Tradução em uma das maiores universidades federais do país, na qual, faço atualmente mestrado em Estudos da Tradução; sabe que pretendo fazer doutorado na Alemanha e que vou conseguir;
sabe que conheço a praia desde tenra idade; sabe que meus pais tinham recursos o suficiente para viajar com uma família enorme, a cada dois anos para lá, sendo que um dos hotéis em que já ficamos hospedados é o Resort Farol de Tororomba, em Ilhéus; sabe que hoje já posso viajar às minhas próprias custas, incluindo passagem de avião fora de época ou independente de promoção relâmpago.
sabe, que trabalho em uma escola de alemão internacional, como secretária; mas, sabe também, que o requisito da vaga é, justamente, falar alemão e que minha carga-horária de trabalho é de apenas 15 horas semanais, o que me permite fazer mestrado, estudar francês, alemão e ainda realizar trabalhos autônomos de tradução (com os quais posso chegar a ganhar em uma semana, ou com um trabalho somente, o que uma vendedora da Bertolli ganharia em três meses, trabalhando 40 horas semanais); fora as tardes em que quero simplesmente dormir, ir ao cinema, a um café ou oferecer-me outros pequenos supérfluos, como ir a um designer de sobrancelha cujo serviço maravilhoso custa R$ 50 pilas.
Farol de Tororomba na Bahia |
sabe que não entendo nada de marcas de grife, a não ser LV ou Gucci, mas apenas porque vejo estampadas nas bolsas das moças nos ônibus e dos camelôs na rodoviária; sabe também que sei que essas bolsas são produzidas em condições precárias na China e outros países, na mesma fábrica em que de dia se produz a falsificada e, de noite, a original. Escrevi um texto sobre a descentralização da produção de marcas aqui.
quem me conhece, sabe que fui convidada, devido à uma pesquisa que realizei durante a graduação e a meu blogue de Tradução, a dar uma palestra em Recife, com tudo pago pela organização devido à qualidade de "palestrante"; sabe, que com 26 anos, terei meu nome publicado como co-autora em um livro sobre Localização (embora muitos mal entendem o que o tema significa); sabe que já ganhei concursos literários, que já escrevi três livros.
quem me conhece, sabe que fui convidada, devido à uma pesquisa que realizei durante a graduação e a meu blogue de Tradução, a dar uma palestra em Recife, com tudo pago pela organização devido à qualidade de "palestrante"; sabe, que com 26 anos, terei meu nome publicado como co-autora em um livro sobre Localização (embora muitos mal entendem o que o tema significa); sabe que já ganhei concursos literários, que já escrevi três livros.
Sobretudo, quem me conhece, sabe que nada dessas exposições materiais, externas, definem meu coração, meus impulsos, meus conhecimentos, quem sou. Nada disso me faz uma pessoa melhor do que as atendentes, mesmo porque, quem me conhece, sabe que sou uma pessoa sempre disposta a ajudar, já me inscrevi em programas sociais/voluntários, já dei aula de inglês de graça. No entanto, nada disso também está refletido nas minhas roupas. Na minha cara. Na minha cor.
Em verdade, pergunto-me se essas reações realmente se embasam na minha forma de vestir. Porque se for, pergunto-me se quem me vê com um certo moletom, sabe que ele é como outro qualquer, exceto que carrega uma tecnologia cujos cordões são, na verdade, fones de ouvido embutidos. Coisa dos States, comprada por minha tia em um dos brechós da vida. Sim, brechós, de onde já saíram tantas relíquias (de países diversos) que minhas amigas perguntam: "como assim, Janaina?". Brechós de estrangeiros que estão deixando o país e revendem aquilo que não querem pagar por excesso de bagagem. Isso pode ser assunto de outra postagem.
Em verdade, pergunto-me se essas reações realmente se embasam na minha forma de vestir. Porque se for, pergunto-me se quem me vê com um certo moletom, sabe que ele é como outro qualquer, exceto que carrega uma tecnologia cujos cordões são, na verdade, fones de ouvido embutidos. Coisa dos States, comprada por minha tia em um dos brechós da vida. Sim, brechós, de onde já saíram tantas relíquias (de países diversos) que minhas amigas perguntam: "como assim, Janaina?". Brechós de estrangeiros que estão deixando o país e revendem aquilo que não querem pagar por excesso de bagagem. Isso pode ser assunto de outra postagem.
É claro que conheço pessoas que exibem uma certa aparência e fazem jus à ela, tanto em termos de educação quanto financeiros. No entanto, isso não deveria ser ponto de referência para pessoas como eu. Minha irmã, que se veste de certa forma mais elegante, conhece marcas diversas, é super inteligente, justa, caucasiana, tem carro próprio, que ela paga com seu salário de concursada aos 26 anos, mas também passou por situações como essa. A outra irmã também, em um momento que não estava bem vestida, foi mal atendida. Esperta, ou vingativa como é, voltou à loja, cheia de ouro - inshalá! - e fez descer a loja inteira, sem levar nada, apenas para mostrar que não se mexe com a aparência das pessoas.
O engraçado é que não percebo esse olhar apenas em lojas que se acham alguma coisa (por que vamos combinar, eu por acaso mencionei alguma LV? Eu sei quanto valho, onde piso, ao passo que os atendentes dos referidos estabelecimentos, aparentemente não), mas também em menores, como subway, Magazine das Confecções (sim!), c&a (sim...), Renner (sim!!!). Pergunto-me se essas atendentes sabem que essas marcas são consideradas extremamente populares em vários países da Europa. Se sabem que estrangeiros no país riem do alto valor que se dão a esses botequins aqui.
Uma vez comentei no Facebook, provavelmente motivada por uma dessas situações, que quem vê cara, não vê cartão de crédito. Alguns amigos me acharam polêmica. Queria deixar claro que não faço esses relatos como um desabafo.
Não posso dizer que as motivações das vendedoras no Brasil são as mesmas daquela que atendeu Oprah na Suíça. Acho que, aqui, o abismo é bem mais profundo em uma série de outras questões. O caso aqui parece-me uma cultura de aparências. É claro que negros sofrem lá suas discriminações - e não são poucas.
A maioria da população brasileira é negra, mulata, mestiça. A maioria da população brasileira ainda está passando da classe D para E (e tenho cacife para falar sobre isso porque é tema de minha tese de mestrado), logo, a maioria da população brasileira ainda está começando a gastar seu dinheiro com outras coisas além de alimentação: mais lazer, mais supérfluos.
Mas ainda há muita o que mudar. Por exemplo, os atendentes de uma loja de celular que fui recentemente possuíam smartphones de geração que ainda está por vir, no entanto, se encontraram comigo no ônibus. Nesta ocasião, fiquei realmente frustrada pela forma como eles atenderam uma senhora que apenas exigia seus direitos sobre a aquisição de determinado aparelho. Pergunto-me se eles têm o poder aquisitivo dela ou podem se dar ao luxo de usar as configuração de seus aparelhos em alemão.
Mas o preconceito não está só nas atendentes. Está na população em geral. Com essa ascensão da chamada "nova classe média", os ricos estão um pouco apavorados. A cara das madames em lojas como Zara (em que não entro mais devido ao seu trabalho escravo e vestidos sujos e rasgados) quando me veem entrar no vestiário são simplesmente risíveis. Ai, ai. Zara. Loja de departamento em qualquer fim de mundo do mundo! Piada.
O engraçado é que não percebo esse olhar apenas em lojas que se acham alguma coisa (por que vamos combinar, eu por acaso mencionei alguma LV? Eu sei quanto valho, onde piso, ao passo que os atendentes dos referidos estabelecimentos, aparentemente não), mas também em menores, como subway, Magazine das Confecções (sim!), c&a (sim...), Renner (sim!!!). Pergunto-me se essas atendentes sabem que essas marcas são consideradas extremamente populares em vários países da Europa. Se sabem que estrangeiros no país riem do alto valor que se dão a esses botequins aqui.
Uma vez comentei no Facebook, provavelmente motivada por uma dessas situações, que quem vê cara, não vê cartão de crédito. Alguns amigos me acharam polêmica. Queria deixar claro que não faço esses relatos como um desabafo.
Não posso dizer que as motivações das vendedoras no Brasil são as mesmas daquela que atendeu Oprah na Suíça. Acho que, aqui, o abismo é bem mais profundo em uma série de outras questões. O caso aqui parece-me uma cultura de aparências. É claro que negros sofrem lá suas discriminações - e não são poucas.
A maioria da população brasileira é negra, mulata, mestiça. A maioria da população brasileira ainda está passando da classe D para E (e tenho cacife para falar sobre isso porque é tema de minha tese de mestrado), logo, a maioria da população brasileira ainda está começando a gastar seu dinheiro com outras coisas além de alimentação: mais lazer, mais supérfluos.
Mas ainda há muita o que mudar. Por exemplo, os atendentes de uma loja de celular que fui recentemente possuíam smartphones de geração que ainda está por vir, no entanto, se encontraram comigo no ônibus. Nesta ocasião, fiquei realmente frustrada pela forma como eles atenderam uma senhora que apenas exigia seus direitos sobre a aquisição de determinado aparelho. Pergunto-me se eles têm o poder aquisitivo dela ou podem se dar ao luxo de usar as configuração de seus aparelhos em alemão.
Mas o preconceito não está só nas atendentes. Está na população em geral. Com essa ascensão da chamada "nova classe média", os ricos estão um pouco apavorados. A cara das madames em lojas como Zara (em que não entro mais devido ao seu trabalho escravo e vestidos sujos e rasgados) quando me veem entrar no vestiário são simplesmente risíveis. Ai, ai. Zara. Loja de departamento em qualquer fim de mundo do mundo! Piada.
Para finalizar, confesso que tenho uma calça de malha fria com enorme rasgo no joelho direito. Gosto muito dela e minha mãe vive ameaçando queimá-la antes que a leve comigo para fora do país. Há duas semanas, vestida nessa calça, como de costume, fui ao mercado próximo de casa com meus sobrinhos. Já no caixa, Luquinhas de 9 anos aponta para o rasgo óbvio da minha calça, indagando-me sobre ele. Eu disse-lhe que não devemos nos preocupar com aquele buraco, mas, indicando minha cabeça, com o que temos ali dentro. Ele sorriu, bem satisfeito. E eu também.
Devido a alguns feedbacks que recebi, gostaria de fazer alguns adendos:
Eu não acho que o desdém no meu atendimento não se trata, necessariamente, um caso de racismo (não explícito). Uma vez, quando tinha uns 14 anos, um amigo me perguntou se eu não tinha passado por alguma situação de racismo. Eu disse que não (não explícito!), mas que talvez fosse devido às razões apresentadas acima. Isso não quer dizer que não seja uma das motivações das atendentes em relação à mim (estou a par do movimento negro no Brasil, tenho amigos engajados, que podem falar sobre o tema melhor do que eu), mas acho que seja mais preguiça ou equívoco delas mesmo. Essa preguiça, eu gostaria de explicar em outra postagem, pois, novamente, acima, especifiquei que esse comportamento é generalizado em outras lojas de escalão "menor".
A referência à cor geral da população brasileira é um fato. Há mais negro na cadeia porque há mais negro no Brasil. Há também um histórico de negros que não têm acesso a ensino de qualidade/à boas oportunidades, que os levam a se envolver em atividades criminais. Contudo, como disse, essa situação está mudando. Tive a oportunidade de cursar uma disciplina de mestrado com um rapaz de Salvador que disse que o sistema de cotas na capital baiana permitiu que mais negros, como ele, tivessem acesso ao ensino superior. Isso reforça minha teoria de negros presos, só que positivamente. Entendeu? Procure minha postagem sobre empregadas domésticas e garis.
Por outro lado, no caso da Oprah na Suíça, um país que não enfrenta as desigualdades sociais do Brasil, é fácil assumir que foi um tratamento relacionado à sua cor de pele. Como assinalei acima, acho que aqui no Brasil o buraco é mais embaixo e as razões pelo atendimento ruim estão mais associadas a um juízo errôneo pela forma como me visto, a qual, adianto, não segue a tendência da moda e, como disse, não exibe marca alguma popularmente conhecida. A linha, tênue, que une nossas duas histórias é a de atendimento ruim.
A moral da história é: O que quer que seja "vestir-se bem", não é é isso que deveria refletir quanto tenho na minha conta bancária.
isso!
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