Rio

A nossa hora de pagar nossa língua sempre chega.

E chega com gosto.

Eu dizia que nunca tinha vontade de conhecer o Rio. Preferia ir para o Nordeste. Apenas esse ano, não sei quantas vezes comentei isso.

Na verdade, algumas vezes cogitei fazer isso e, como apareceu uma viagem de última hora à cidade maravilhosa, lá fui eu por dois dias.

Quando cheguei, a primeira coisa que me impressionou no trajeto Galeão-Botafogo foi um paredão de vidro, separando a favela da pista. Achei piada querer esconder aquelas casas. Depois, minha anfitriã e outras pessoas disseram que não é só esconder: trata-se também de proteger porque ocorria muito assalto em momentos de lentidão no trânsito. Lembrei que do ônibus vi alguns garotos descalços pedindo carona entre uma brecha do tal paredão.

Depois, passei pelo Aterro do Flamengo. Ele é simplesmente lindo.

Meu ex-namorado me dizia que o Rio cheirava mal.

"O que a gente vai fazer no Rio? O Rio fede".

De fato, algumas regiões do Rio cheiram bem mal. Ora, é por conta dos portos, eu acho, ou simplesmente do esgoto ou do mangue...

A dimensão e a quantidade das favelas: são de se impressionar. Onde eu estava hospedada, em Botafogo, vi apenas um pedaço de uma, mas depois, indo para o aeroporto, vi tanta, mas tanta favela que eu sequer imaginava que era daquela forma. A cidade é simplesmente circundeada por aquelas casinhas a torto e a direito.

No Rio, tem muita criança de rua. Ou pelo menos na Lapa. E na rua da Praça 15. Elas chegaram toda hora. Com chiclete, amendoim e outras coisas. Fiquei triste com isso e parece que não vi nem um terço da realidade.

No Rio, um morador de rua me pediu dinheiro para comprar ração para seu cachorro. Um cachorro muito fofo, filhote, mas tão magro que nunca deve ter visto a cor, quiçá o gosto dessa ração.

Em Brasília, quando você entra no ônibus, sorri e diz bom dia para o motorista e o cobrador, eles retribuem no mesmo tom. No Rio, as pessoas não são nada simpáticas nesse sentido: estão sempre impacientes e aparentemente mal humoradas.

Lembro que quando comecei a ir em manifestações em Brasília, meu professor de alemão disse que não entendia as razões e nem por que daquela proporção. Eu enumerei algumas razões e ele disse: "ah, agora entendo. Todos esses anos de Brasil eu sempre via os brasileiros, nas ruas, nos serviços, no ônibus, no restaurante, no mercado, sempre descontar umas nas outras, no povo em si, que são seus iguais; as pessoas estavam insatisfeitas e desabafavam dessa forma; agora entendo que vocês finalmente resolveram voltar contra os verdadeiros culpados: os governantes". E agora, com isso que vi no Rio nas bancas e nos ônibus, posso entender a dimensão e continuidade das manifestações que perduram bravamente ali.

Em Brasília, a gente tem considerado a cidade perigosa, mas no Rio, o tempo todo, os locais estão dizendo para ter cuidado com a bolsa, com o celular. Dizem para desviar disso e daquilo, não deixar celular em cima da mesa no bar, ou que guarde esse celular *agora*. O tempo todo dizem que as pessoas roubam adoidado. Eu deixei o meu na mesa, na inocência de Brasília, e o levaram em um piscar. Espero que consigam destravar a senha e desconfigurar do alemão para que façam bom proveito. Lamento apenas as fotos que fiz no centro de um local que posou alegremente (e zombateiramente também) quando me viu tirando foto dos grafites e das ruelas; das crianças que jogavam bola no meio da rua; dos monumentos que não temos jamais em Brasília, do paredão que escalei em Botafogo.

O Rio tem muito mais verde que São Paulo. Pelo menos, onde vi.

No Rio, é muito quente. A sua pele fica grudenta como no Nordeste.

No Rio, os cariocas não têm o sotaque (entenda "chiado") forte como a gente imagina. Uma vez ou outra você escuta um som de /s/ carregado, mas não é nada exagerado ou a todo momento como se esterotipa por aí. Mas que eles falam cantados e com marra, falam.

No Rio, eles colocam um papelzinho na sua mesa com amendoim descascado, para você provar, depois voltam para ver se você quer comprar. Isso acontece a noite toda. Umas 20 vezes. Não compramos nenhuma vez. Em Brasília, as pessoas jogam esse amendoim na mesa também, só que com casca. Uma amiga que mora no Rio há anos disse que se você não compra ou sei lá, eles cospem nesse amendoim e depois vendem de novo.

Fui em uma casa de samba. Tocou maracatu. Tinham algunas brasileiros e gringos, claro. Mas a casa de samba em Sampa foi mais legal. Muito mais. A cantora, uma negona linda para variar, subiu para nosso andar e dançou rapidamente com a gente. Isso foi legal.

No Rio, tem muito trânsito. Muito mesmo. Eu fico pensando onde o mundo vai parar. As duas grandes cidades da América Latina, Rio e Sampa, com tantos carros, pessoas perdendo horas da sua vida para se locomover. Isso, naquele mormaço. O taxista disse que outro dia levou 4h para conseguir deixar um passageiro no aeroporto e ficou o caminho falando que não gastaria menos de duas para voltar. Eu disse para ele esperar no aeroporto, tomar café, mas ele preferiu enfrentar o trânsito.

O taxista também lamentou que eu tenha ficado tão pouco no Rio.

Eu também lamentei.

Quero voltar. (Espero em breve postar sobre Recife e São Paulo também)

Fotos da maravilhosa Maira,