quando julia me disse que, apesar de ter lido o quadrinho original de allan moore [ainda que posterior ao ter visto o filme], continuava gostando do filmeco 'v for vendetta', eu não podia conceber um fiapo do que ela dizia por pura inaceitação mesmo - inaceitação essa típica daqueles que porque leram o livro original acham que uma versão no teatro ou na tela peca inadmissivelmente por excluir esse trecho, exagerar naquele ou inventar inescrupulosamente aquele. bom, sou uma dessas e caçoava do gostar de julia. porém, agora, ao ler 'o perfume, de patrick süskind, eu tenho de compartilhar com a mesma situação de julia, em um momento atípico, é claro.
ora que há cenas do livro que deveriam, ou poderiam - a fim de minimizar o efeito de uma sugestão - aparecer no filme enquanto há cenas no filme que sequer existem no livro, mas que bem que poderiam ser igualmente pensadas pelo autor do original. exemplo é a cena abaixo, presente no filme mas inexistente no livro.




não vou me perder falando do filme, para isso, pesquisem em sites especializados.

basta dizer que eu procurei o filme por muito e muito tempo. tinha visto o trailler e me apaixonei de cara. quando vi que era do mesmo autor de 'a pomba', essa vontade intensificou. cheguei a ficar de tocaia em uma locadora que tinha um pôster enorme do filme, mas de um hora pra outra ele sumiu :~~ [ainda aceito doações]. então finalmente loquei. e é bom, muito bom. apaixonei-me. talvez pela minha enorme sensibilidade e afinidade ao tema: o cheiro. o olfato. o nariz [nada a ver com aquela crônica bizarra do veríssimo, se não me engano, e que por sinal foi uma das que me fizeram ter pavor do estilo por muitos e muitos anos]. aqui e ali, não resisto em comentar, aparecem umas cenas cativantes, que enchem nossos olhos de beleza. vale-a-pena para quem gosta dessa sensação.


perde porém, o filme, o humor atravessado de süskind. por isso citarei aqui e ali uma frase extraída do livro. quem se der ao trabalho de ler, well, well, well, enjoy (:



no século xviii viveu na frança um homem um pertenceu à galeria das mais geniais e detestáveis figuras daquele século nada pobre em figuras geniais e detestáveis. a sua história é aqui contada. ele se chama jean-baptiste grenouille e se, ao contrário dos nomes de outrs geniais monstros como, digamos, sade, saint-just, fouché, bonaparte, etc., o seu nome caiu hoje no esquecimento, isto certamente não ocorreu porque grenouille tenha ficado atrás desses homens das trevas mais famosos em termos de arrogância, desprezo à raça humana, imoralidade, ou seja, em impiedade, mas porque o seu gênio e a sua única ambição se concentravam numa área que não deixa rastros na história: o fugaz reino dos perfumes.



[padre terrier] não teria ido tão longe quanto alguns no sentido de questionar os milagres, as profecias ou verdades dos textos da bíblia sagrada, mesmo que a rigor não fossem explicáveis apenas pela razão e inclusive até com freqüência e contradissessem diretamente. preferia ficar longe de tais problemas; eram-lhe demasiado desconfortáveis e só o fariam cair na mais penosa insegurança e inquietação, quando, justamente para poder se utilizar da razão, era preciso segurança e calma.

o odor humano é sempre um odor carnal - portanto um odor pecaminoso.


[grenouille] era duro como uma bactéria resistente e auto-suficiente como um carrapato colado numa árvore, que vive de uma gotinha de sangue sugada ano passado. [...] ou como um carrapato em cima de uma árvore, ao qual a vida não oferece outra coisa senão uma hubernação permanente. o pequeno e horrível carrapato, que dá uma forma esférica a seu corpo cinza-marrom para oferecer ao mundo externo a menor superfície posível; que torna a sua pele lisa e dura, para nada deixar, nada fluir de si, para não deixar transpirar o mínimo de si mesmo. o carrapato que, de propósito, se faz pequeno e invisível, para que ninguém o veja e pise em cima. o solitário carrapato que, de propósito, recolhido em si, fica escondido na sua árvore, cego, surdo e mudo, e só fareja, a milhas de distância, o sangue dos animais que passam e que ele jamais há de alcançar com suas próprias forças. o carrapato poderia deixar-se cair. poderia deixar-se cair no mato, arrastar-se com as suas seis perninhas algunas milímetros para lá e para cá, deitando-se debaixo da folhagem para morrer; deus sabe que nada se perderia com ele. mas rebelde, teimoso e horrendo, o carrapato vive à espera. espera até que o acaso mais improvável conduza o sangue, na figura de um animal, diretamente para a sua árvore. e só então ele sai da sua discreta reserva, deixa-se cair e escava, perfura e morde na carne alheia..


bebeu esse odor, afogou-se nele, impregnou-se dele até o último e mais íntimo poro, tornou-se ele mesmo madeira, como um boneco de pau.


bom, outros trechos virão. acá mesmo ou em flogs.

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