Sobre empregadas e garis


E agora, Classe Média?

Essa semana li algo nonsense sobre os direitos recém-aquiridos pela classe de trabalhadoras domésticas no país:

"com a PEC das empregadas, milhões perderão seus empregos"

Declarações toscas como essa só podem vir das mesmas pessoas que jogam lixo na rua com a desculpa de que estão garantindo o emprego dos garis. Pessoas essas que veem com normalidade o fato de que NA VERDADE trabalhadores domésticos ou garis só recorrem a essas profissões porque não tiveram acesso à educação, por exemplo. E, se tiveram, foi em escolas com condições tão precárias quanto com professores despreparados, desestimulados e, também, desinteressados. Não tiveram livros em suas casas, aparelhos televisores nem viagens à praia para que pudessem abrir suas cabeças, atiçar suas curiosidades ou expandir seu conhecimento de mundo. Esse tipo de estímulo geralmente lhes é negado porque, caso contrário, podem iniciar uma revolução como a que está acontecendo com a PEC para as trabalhadoras domésticas.

Mas, em tempo, essa realidade está mudando. Gostaria de compartilhar uma experiência pessoal que prova como essa mudança já vem ocorrendo há alguma tempo:

Trabalhou em minha casa uma moça muito simpática. Depois de dois ou três anos, conosco, ela foi para outra casa, onde trabalharia menos, ganharia mais. Preste atenção à "nova realidade": isso já era pra lá dos anos 2000. O interessante é que ela me pedia com certa regularidade para que eu escrevesse emails para o programa da Ana Maria Braga falando sobre seu sonho em ser atriz e como adorava a apresentadora. Nunca obteve nenhuma resposta. 

O mais interessante ainda é que ela também me contava sobre seu sonho de fazer faculdade de artes cênicas. Achava aquilo tudo muito bacana. Não tanto de ser atriz, mas de querer fazer faculdade. Ela, que fazia supletivo. Era um pensamento muito progressista e marcante para mim e torcia muito por ela. Ajudava-a nas pesquisas da escola, revisão de cartas para Ana Maria Braga... Desejava, enfim, que conquistasse novas oportunidades.

Bom, hoje ainda encontro essa moça no ônibus: eu, formada, voltando da aula de alemão e ela, voltando da faculdade. Não é de artes cênicas, mas é faculdade. Para mim, esta moça é parte da evidência de um fenômeno que muitos patrões preferiram ignorar, mas, felizmente, está tomando tamanha proporção que já não será mais possível fazerem vista grossa: a de que finalmente chegou a hora de reconhecerem que não só eles e seus filhos têm anseios de uma vida melhor.

Além disso, quem não aceita mais essa "realidade" também são os filhos das outrora empregadas: uma senhora que trabalhou mais de 10 anos na casa de uma amiga pediu as contas porque os filhos não queriam essa condição para ela. Era hora dela ir atrás de seus sonhos, como viajar, fazer um curso bobo aqui e ali, cuidar da sua própria casa. O desejo desses filhos nada mais é que resultado do esforço da mãe, conquanto a condição de empregada a vida inteira, empenhada em dar "do bom e do melhor", isto é, garantir que fossem à escola, ao teatro, à pequenas viagens de forma que aprendessem que eram também humanos, com direito aos prazeres que a vida pode oferecer. Nada mais justo. 

Sugestão de leitura



2 comments:

  1. O que eu acho mais injusto em todo o discurso que anda rolando por aí, é comparar os trabalhadores domésticos a escravos.

    Trabalhadores domésticos estão nessa profissão pelo mesmo motivo que um atendente de telemarketing, um vendedor, um artista, um gerente de loja, ou um executivo estão em suas profissões. Eles trabalham pela capacidade e pelas necessidades que tem.

    Se o indivíduo não tem nenhuma formação educacional básica para exercer nenhuma outra profissão, então empregado, babá, gari, garçom, etc, ditas pejorativamente como "profissões servis", são formas honradas de se trabalhar e ganhar seu sustento. Bem melhor do que se sustentar com esmola do governo, ou ser vítima da miséria. É a unica forma, como no exemplo que você deu, dessa pessoa ter possibilidade de bancar sua própria educação em busca de uma profissão que ela ache mais digna para si.

    Pois é direito do ser humano ganhar pelo fruto do seu trabalho, e progredir na sua vida da melhor maneira que achar.

    E o que eu vejo é que há um paradoxo na comemoração dos novos direitos de trabalho dos empregados domésticos. De um lado comemora-se o direito ao pagamento do INSS, das 44 horas semanais, etc; porém do outro lado, as mesmas pessoas que comemoram metem o pau na profissão chamando de vários nomes pejorativos como "servidão".

    Oras, um escravo não tem escolha alguma sobre a sua própria vida. Enquanto que um trabalhador doméstico, como você deu o exemplo, tem a liberdade de escolher, ou não, a melhor condição de trabalho. Um escravo não tem possibilidade alguma de sustentar sua família. Um trabalhador doméstico pode dar um futuro para os seus filhos, e estes podem vir a retribuir aos seus pais dando um salto maior numa condição melhor de vida. Um escravo é feito um robô sem alma, que segue estritamente suas funções. A um empregado doméstico é dada a responsabilidade de cuidar do lar, ou seja, é dada a confiança de cuidar do bem-estar do lar a partir do seu conhecimento, da sua experiência de vida, da sua índole, e dos seus critérios como profissional; enquanto o casal busca o sustento da casa, ou quando um individuo vê a impossibilidade de cuidar do seu próprio lar sozinho. Somente alguém com uma visão distorcida da realidade veria vergonha nisso. Ou vergonha em qualquer outra profissão de base, que são de veras necessárias.

    "Ah, mas a patroa trata a empregada mal". Isso por um acaso é uma regra? E mesmo que se tratasse mal, então tem leis que garantem a dignidade humana contra ofensas e calúnias, e essa pessoa que maltrata outro ser humano deve pagar por isso como qualquer um.

    Eu acredito que os direitos conquistados são bons para os empregados domésticos, mas apertará o cinto da família que quiser contratar um. Isso é frescura da classe média? Não, de forma alguma, é bom lembrar que a classe média no Brasil não está podendo tudo isso economicamente em comparação a classe média de outros países. Então, pode ocorrer sim, de onde seria mais fácil uma empregada conseguir uma oportunidade de serviço a um preço razoável, a partir de agora ficar mais escasso e a ter uma concorrência mais acirrada. É o ÚNICO ponto negativo disso tudo.

    A não ser que, e olha que ironia, a classe média passe a ganhar mais para pagar (sem apertos) todos os direitos devidos aos empregados.

    Mais uma coisa, quando o governo "regulariza" uma profissão isso não quer dizer que certos benefícios não venham com outros prejuízos.
    E isso para todas as profissões.

    Bju Jana =***

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