conversas com o teto,

foto de um site muito bonito. webcomic. mas sou egoísta e não vou compartilhar.


por saramago,adaptado-me nesta ou naquela palavra.


nota: os diálogos abaixo transcritos, conforme mencionado, receberam algumas poucas alterações tradutórias sem nem nenhum fim lucrativo ou pretencioso [esta declaração embasada depois de saber embasbacadamente que um garoto foi preso depois de traduzir informalmente harry potter - pff], mas apenas com o intuito de tornar o texto mais fluente para as migalhas de queridos e quem sabe desconhecidos leitores d'acá; além disso, manti algumas partes do original, como a não gerundinização de uma sentença ou outra, deixando-a no infinitivo modo lusitano de dizer. resolvi também não incluir somente as falas que achei mais interessantes e pertinentes, mas o contexto em que elas se enquadram, iniciativa também visando a comodidade do leitor. sr. josé tem 50 anos e o teto talvez mais uns 50.




(..)A credencial é falsa, De fato, será melhor que não a uses, não gostaria de estar na tua pele se um dia destes te apanham em flagrante, Não poderias estar na minha pele, não passas de um teto de estuque, Sim, mas o que estás a ver de mim também é uma pele, aliás, a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos (...), A sabedoria dos tetos é infinita, Se és um teto sábio, dá-me uma idéia, Continua a olhar pra mim, às vezes dá resultado.
(...)
(..)Lembra-te de que não é só a sabedoria dos tetos que é infinita, as surpresas da vida também o são, Que queres dizer com essa sentença tão rançosa, Que os dias se sucedem e não se repetem, Essa é mais rançosa ainda, não me diga que é nesses lugares comuns que consiste a sabedoria dos tetos, comentou o desdenhoso Sr. José, Não sabes nada da vida se crês que ainda há mais alguma coisa para saber, respondeu o teto e calou-se.
(..)Comeu o omelete devagar, em pedacinhos geometricamente talhados, fazendo-o render o mais possível, apenas para ocupar o tempo, não por deletei gastronômico. Sobretudo, nãp queria pensar. O imaginário e metafísico diálogo com o teto servira-lhe para encobrir a total desorientação o seu espírito, a sensação de pânico que lhe vinha da idéia de que já não teria mais nada para fazer na vida(..) Sentia um nó duro na garganta, como quando lhe ralhavam em criança e queriam que ele chorasse, e ele resistia, resistia, até que por fim as lágrimas saltavam, como também começaram a saltar agora por fim. Afastou o prato, deixou pender a cabeça sobre os braços cruzados e chorou sem vergonha, ao menos desta vez não havia ninguém ali para se rir dele. Este é um daqueles casos em que os tetos nada podem fazer para ajudar as pessoas aflitas, têm de limitar-se a esperar lá em cima que a tormenta passe, que a alma se safogue, que o corpo se canse.

(..)Estava deitado de costas, olhando o teto, à espera de que ele lhe perguntasse, Por que estás tu a olhar para mim, mas o teto não fez caso, limitou-se a observá-lo sem mudar de expressão.

(..)Não sou estúpido, De fato, estúpido não o és, o que levas é demasiado tempo para perceber as coisas, sobretudo as mais simples, Por exemplo, Que não tinhas nenhum motivo para ires á procura dessa mulher, a não ser, A não ser, o quê, A não ser o amor, É preciso ser-te teto para ter uma idéia tão absurda, Creio ter-te dito alguma vez que os tetos das casas são o olho múltiplo de Deus, Não me lembro, Se não o disse por estas precisas palavras, digo-o agora, Então diz-me também como poderia eu gostar de uma mulher a quem não conhecia, a quem nunca tinha visto, A pergunta é pertinente, sem dúvida, mas só tu é que poderás dar-lhe a resposta, Essa idéia não tem pé nem cabeça, É indifirente que tenha cabeça ou pés, falo-te de outra parte do corpo, o coração, esse que vocês dizem ser o motor e a sede dos afetos, Repito que não podia gostar de uma mulher não conheço, que nunca vi, salvo em alguns retratos antigos, Querias vê-la, querias conhecê-la, e isso, concordes ou não, já era gostar, Fantasias de teto, Fantasias tuas, de homem, não minhas, És pretencioso, crês que sabes tudo a meu respeito, Tudo não, mas alguma coisa deverei ter aprendido depois de tantos anos de vida em comum, aposto que nunca tinhas pensado que tu e eu vivemos em comum, a grande diferença que há entre nós que há entre nós é que tu só me dás atenção quando precisas de conselhos e levantas os olhos cá para cima, ao passo que eu levo o tempo todo a olhar para ti, O Olho de Deus, Toma as minhas metáforas a sério, se quiseres, mas não as repitas como se fossem tuas. Depois disto, o teto resolveu calar-se, tinha percebido que os pensamentos do Sr. José já estavam lançados para a visita que ia fazer aos pais da mulher desconhecida, o último passo antes de bater com o nariz no muro, expressão igualmente metafórica que significa, Chegaste ao fim.

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