1. ‘‘Seus olhos azuis são negros’’. E talvez essa seja a milésima vez que eu penso sobre isso. Foi naquela mesma manhã, dessas manhãs cinzas, frias em que se reflete demasiadamente sobre a vida. E a vida passava ora borrada ora figurada: percebi, afinal, que se dá menos tempo ao amarelo. Quem sabe, suspeito, acostumamo-nos entre ficarmos parados diante da atenção e seguirmos ante a moderna alforria. Pois que, sentado no banco acolchoado de um vermelho desbotado, meu corpo foi deslocado bruscamente para frente e depois para trás, num fenômeno que dispenso para a física explicar porque o que me atormenta são meus pensamentos: embaralhados pela súbita chacoalhada do ônibus, não mais se organizaram. Nunca mais foram racionais. Por que seus olhos azuis se tornaram negros agora, meu Deus? Pensar nisso era não ir além do cenário de um aquário. Sim, eu sei que você pensou em águas azuis, mas eu falo do mar negro.

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