A insustentável insistência em existir



Albert Camus, no romance A Peste, o qual estou lendo atualmente, diz que "segundo a religião, a primeira metade da vida de um homem era uma ascensão e a outra um declínio". Isso é bastante verdadeiro.

Meu irmão caçula, estudante de medicina, por exemplo, diz que não fomos feitos para durar tanto tempo. Que o corpo humano não fora concebido para a expectativa que estamos experimentando nas últimas décadas. Aliás, trata-se de uma tendência inerente ao processo de evolução de todos os organismos multicelulares. Prova é que, biologicamente, nosso corpo entra em decadência depois dos 30, quando o sistema respiratório e o tecido muscular, por exemplo, começam a decair funcionalmente. Dos 25 aos 40 anos, a fertilidade feminina cai até 60%. Em termos de organismo (deixem de lado seu feminismo), a mulher estaria preparada para amadurecer, dar a luz e morrer.

Mas isso não significa que estamos vivendo pouco. Pelo contrário. Observação interessante a este respeito foi feita por um inglês de 25 anos, no seu Tumblr:

Sabe o que é louco? Quando pessoas do mundo ocidental dizem "a vida é muito curta". Quer saber de uma coisa? A vida não é muito curta. Uma pessoa média vive em torno de 28.105 dias no Reino Unido. Isso é um monte de dias. (fonte aqui)
28 mil dias totalizam 77 anos. Isso lhe parece pouco?

Em outra passagem de Camus, na mesma obra, ele chama atenção para o fato de que "sem dúvida, nada há de mais natural, hoje em dia, do que ver as pessoas trabalharem da manhã à noite e optarem, em seguida, por perder nas cartas, no café e em tafarelices o tempo que lhes resta para viverem".

Isso, para mim, significa que embora a expectativa de vida tenha aumentado em quantidade, diminuiu em qualidade: ganhar uns anos a mais infelizmente não mudou nossa forma de lidar com a contagem regressiva do tempo. Trabalhamos e estudamos tanto e tanto que mal temos dado atenção à forma como aproveitamos nossos dias. Vivemos por mais tempo, e, no entanto, quando olhamos para trás, para tudo que fizemos, parece que vivemos, de fato, pouco.

E, para finalizar, mais uma vez evoco Camus:
Aos trinta anos, começa-se a envelhecer e é preciso aproveitar tudo. Não sei se me consegue entender.

2 comments:

  1. Demais! Realmente sentimos que estamos cada vez mais sem tempo... qdo escolhi cursar tradução pensei que ficaria mais em casa e não teria que ter um chefe. Mas acabou que tbm vivemos seguindo prazos, não tem jeito hehe

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    1. Pois é! Aos poucos, tenho procurado mudar essa abordagem em relação à vida. Como diz uma amiga, trabalhamos 335 dias e vivemos 30 (o período relativo a férias, sendo que ainda são divididos em duas quinzenas). Agora, sabia, que tem uma sociedade, a Hopi, que não tem a consciência de tempo igual a nossa? Lembrei porque você falou de prazos... depois posto a respeito! É bem bacana!

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