Crônica de 17 de junho, Brasília.


No começo, eu confesso, tive medo. Escrevi para mais de 30 amigos para saber quem poderia ir comigo. Vários responderam que estariam lá para apoiar, que contassem com eles. Passaram seus números de telefone celular, combinaram lugar para se encontrar depois do trabalho, depois da aula. Alguns lamentaram e disseram que não iriam, saíram da conversa. 

Mais tarde, momentos antes de ir, a tensão crescia no estômago. Não sabia o que esperava por mim: bombas de gás? cassetete? Depois do que vi e ouvi nos últimos dias, acreditava que meu sentimento não era para menos. A tensão, porém, diminuía à medida em que me convencia de que não podia me acovardar pelo sentimento de manter minha própria integridade física enquanto outros, menos privilegiados, eram violados todos os dias. Aversão a esse tipo de atitude foi um dos motivos que me deixou firme em minha decisão e me guiou por entre a multidão. Mas não o único. Por isso, me levantei e fui, ainda sozinha, mas na certeza de que encontraria, mesmo que em rostos desconhecidos, alguém que compartilhasse de uma causa que não surgiu do nada, não nasceu da noite para o dia, mas de anos de articulação dentro de nós, em pequenos grupos de conversa e, mais recentemente, nas páginas das redes sociais. 


Sempre estive envolvida e me interessei em discutir estruturas e comportamentos sociais. Quem lê este blogue o sabe, quem senta comigo na mesa do bar está cansado de ouvir a respeito e até minha mãe, desde meus 14 anos, me diz que deveria maneirar na forma como penso sobre o mundo. 

As razões para se estar ali eram muitas e vêm sendo discutidas, acredite, por grupos de conversa que tive o prazer de conhecer. Em miúdos, trata-se do novo Código Florestal, desocupação de Pinheirinhos, construção do Noroeste, malas como Bolsanaro, Feliciano, Calheiros, tomate, aumento de salário de vereadores em uma semana e redução do de professores em outra, PEC 37, fichas sujas que serão lavadas, para citar apenas alguns que já se deve ser careca de saber. Isso volta um tanto na linha do tempo, não? Não dá para dizer que foi pêgo de surpresa por essas manifestações. É tanta coisa que gente virar para mim e dizer que está surpreso, só me faz pensar que é porque ignorou, por fazer vistas grossas ou ter nariz empinado, pelo menos, o que vem acontecendo nos últimos meses e anos: 


De todo modo, se por alguma acaso, há ainda quem não sabe a razão desses protestos, somente posso acreditar que se deixou levar pelas manchetes nos jornais ou pelo sentimento de que de nada adiantaria, de que era ilusão, como ouvi no sábado mediante comentário sobre a manifestação ocorrida no Mané Garrincha no dia anterior. Se era ilusão ou não, sei que vi uma multidão de 10 mil por todos os lados ontem e hoje soube que chegamos perto de um total de 200 mil em todo o Brasil, em cerca de 12 cidades. Não sei para você, mas para mim estes números revelam que são 200 mil pessoas a menos caladas, sentadas, que deixaram de compartilhar para serem compartilhadas. Eu as chamo de geração clique.

É preciso reconhecer ainda que a geração do clique finalmente encontrou seu lugar, sua missão. Com seus aparelhos em mãos, documentou e divulgou em tempo real para quem quiser ver o que realmente acontecia. Ajudou os que não estavam lá a escolherem de quem lado estariam e outros, como eu, a tomarem as ruas de vez. Foi graças à ela, que a grande mídia massificadora não teve voz única nestes protestos. Pelo contrário, teve que decidir se não ia, ou pelo menos fingir, mudar de lado também. Se se tivesse deixado por conta da mídia, a imagem de vândalos, continuaria a ser figurada nos jornais todos os dias. 


É por isso que a sensação de descer Esplanada abaixo, vendo outras pessoas vestidas à caráter para algo que não era uma mera comemoração fútil, foi de arrepiar. Não sei explicar a sensação exatamente. Parecia uma verdadeira power walk

E no caminho, ver outras pessoas, a contra-fluxo, olhando-nos sem o menor sinal de julgamento, reforçou em mim a ideia de que daqui a um dia, dois, três meses, quatro anos, estaremos todas andando na mesma direção. Já falei aqui sobre a difusão social. Pois bem, acredito que como eu, eles também serão engolidos por ela.



Quanto ao Facebook, eu não vou curtir se Jabor se retratar, o que a Folha agora quer defender, quando ator se maquiar ou a Globo fizer cobertura. Não é um favor que eles fazem, é uma obrigação. Não vou ficar mudando, quicando de um lado para o outro a cada gesto "bem intencionado". Se você concorda, então vá às ruas. Não fique aí pintando sua cara de olho baleado.

Tiremos o simbolismo do meio do caminho para passarmos com mais realismo. É preciso manter o senso crítico que fez alguns saírem às ruas, que foi justamente ir contra essas atitudes patéticas. Não é momento de vacilar com demonstrações repentinamente convenientes de apoio que, uma hora ou outra, vão voltar a virar o jogo. É preciso vigilância constante para não deixar essas coisas subirem à cabeça desvirtuando a real razão de sair às ruas, aos montes.

O importante é ter consciência de que se trata, sim, de um momento de inflamação, mas também de organização. Ainda há muita gente sem entender e é preciso que o #changebrazil não se torne um #occupywallstreet. É por isso que repudio manifestações como a de Jô Soares. Cantar hino nacional de costas e depois sentar e assistir ao espetáculo é dar as costas para ser apunhalado covardemente. É mais uma vez entrar em estado de expectador passivo.


O expectador ativo, por outro lado, presenciou de tudo. Teve, por exemplo, camelô vendendo vinagre na entrada e churrasquinho na saída. Eu tive o desprazer de experimentar os efeitos do gás lacrimogênio, mas também de encontrar baderneiros sem a mínima causa, envergonhando os demais ao jogar água e garrafas contra a polícia, a qual estava ali tão a postos para reagir quando precisasse quanto pacífica pela parte majoritária do tempo. Isso não quer dizer que não vi policiais sem identificação, assim como os vi organizando o trânsito, parando os carros, para que os manifestantes avançassem no sentido do Congresso.

Também sou testemunha de que nossa internet e sinal de telefone ficaram mais de duas horas sem funcionar. Um boicote para que a geração clique não pudesse reportar o que estava acontecendo em tempo real? É muita idiotice pensar assim: eles ou eu. De qualquer maneira, é o que posso documentar aqui. 

Ficamos nos escuro ao apagarem as luzes dos Ministérios e da cúpula do Congresso (veja a sequência de fotos abaixo), depois que os manifestantes alcançaram a cobertura, porque acharam que iam apagar nossa visibilidade? Ainda bem que a luz dessa cidade éramos nós, fazendo-nos serem vistos com cantos entoados no resto do Brasil (fico me perguntando, vendo os vídeos de outros estados com as mesmas palavras de ordem, se em algum momento nossos pedidos se coincidiram).

Luzes da cúpula acesas até o momento em que os manifestantes subiram
Quando uma leva de manifestantes alcançaram a cobertura do Congresso, as luzes da cúpula foram magicamente apagadas.
Hoje já me perguntaram se não era um movimento de politicagem. Fiquei muito satisfeita de dizer que, ainda bem, não me deparei com nenhuma bandeira. Acredito que a maioria esmagadora estava reunida por propósitos diversos, mas sem partido. Pelo menos, não expresso, não evidente. Quando algum desses representantes tentou se manifestar, foi duramente repreendido. E que assim seja. Quando jogaram água nos policiais, o que outra pessoa veio alegar para mim esta manhã conforme viu na tevê, pude dizer que estava lá e afirmar que eram alguns gatos pingados, os quais foram incitados pelos demais, em palavras de ordem, para não o fazerem, porque isso deslegitimava a situação. E também fui confrontada com absurdos do tipo: "isso só vai envergonhar a imagem do Brasil lá fora". É muito triste ouvir isso.

Precisei (e ainda é preciso!) explicar que não se trata  de o quê mundo pensa a respeito do Brasil. Na verdade, todos esses anos foi vendida uma imagem de fachada, a qual, quando as pessoas de fora chega/vam aqui, ficavam embasbacadas com a realidade do país. Como se tivessem sido ludibriadas (ou que pelo menos não lhes contaram toda a verdade) por agências de turismos, não podiam acreditar em que seus olhos viam, para convencer com redundância.  O fato é que o brasileiro cansou dessa história de é pra inglês ver; percebeu que tá na hora de parar de jogar a sujeira pra debaixo do tapete só pra agradar a visita.

Também ouvi comentários engraçados: "é algum tipo de comunismo?". Foi um longo tempo para explicar que, não, não era comunismo e fazer uma dissertação oral sobre as reais - e muitas razões. Em seguida, quando o primeiro discurso pela mídia foi desconstruído, parte-se  para o segundo: "ah, então, com isso eu concordo. O que não concordo é com vandalismo". Mais uma vez, foi preciso argumentar sobre que vandalismo se falava? E o vandalismo contra os hospitais e escolas públicos? O vandalismos nas estradas esburacadas? Vandalismo contra nossa moral? Mas, quanto ao vandalismo propriamente dito das manifestações, este é muito pontual e desproporcional se levarmos em conta a quantidade de lugares em que os protestantes passaram e nada aconteceu. Como amigos e irmãos, o vandalismo que aconteceu pode ser contado nos dedos das duas mãos. Bater na tecla do vandalismo é ter certeza de que o discurso não vai para frente.

Enfim, ainda há muito para aprender. É necessário sair do Facebook de verdade. Eu vi muitos jovens universitários e engravatados, alguns senhores de idade, mas poucos representantes reais do povo. Esses também devem ser incitados. Espalhar cartazes, palavras de ordem escritas indicando horários e locais de organização mais do que murais em telas de plasma com tons de azul. É assim que acredito que se ganhará mais adeptos. Adeptos genuínos. Lembro-me que no sábado contaram pouco mais de 2.500 manifestantes e, depois da truculência, a Esplanada ontem recebeu 10 mil. Se se articularem as propostas, levarem-nas para a rua concretamente, quantos não serão no próximo? Hoje, de boca em boca, já consegui fazer pelo menos quatro (agora quase cinco) pessoas a considerarem se juntar na próxima passeata.

E você?

1 comment:

  1. Tbm tive essa sensação de medo ao chegar, era tanta gente chegando de uma vez e bem na hora que cheguei uns correram desesperados, mas era alarme falso de alguma confusão. Passado algum tempo lá me senti mais tranquila e unida à multidão, principalmente quando gritavam "não provoca (a polícia) e quando subiram na marquise - e logo fui lá pra apoiar. Achei aquilo lindo!
    Chato é ainda ter que ouvir gente classificando o movimento como vandalismo ou bando de desocupados...mas é bom ver que muita gente não foi e quer ir! Amanhã será maior!

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