Imagem: Jodi Cobbi |
"E possuí-los-eis por herança para vossos filhos depois de vós, para herdarem a possessão; perpetuamente os fareis servir (Levíticos, 25:46)".
Cada vez mais seduzidos a adotar um estilo de vida que já foi projetado para nós, acabamos por sustentar também a imensa rede de trabalho escravo existente no Brasil e ao redor do mundo. Esta realidade de milhões de pessoas fica cada vez mais evidente quando o desmantelamento de esquemas de trabalho análogos à escravidão em uma das fornecedoras da espanhola Zara revelado em 2011 (e outro em 2013 na Argentina) vêm à tona.
Como consequência, consumidores conscientes, ativos e ocidentais até então fieis à marca são chacoalhados pela mídia até despertarem do seu estado de inércia e lançados às ruas para protestar contra esta situação vergonhosa, abominável e inaceitável em pleno século 21.
Um ato bonito, se não fosse ingênuo: será mesmo genuíno o sentimento de que é difícil imaginar que ainda exista escravo em pleno século 21? Se você realmente acredita nisso, paciência, eu acredito. Apenas convido você a refletir comigo as seguintes questões: se ainda existem colônias (algumas das também conhecidas como terrenos ultramarinos), por que não existiria escravidão?
Se nós mesmos nos tornamos escravos do tempo, da moda e das últimas tendências tecnológicas, as quais precisam ser consumidas em uma velocidade e com voracidade devastadora e insaciável antes que se tornem obsoletas, por que aqueles que precisam materializá-las não seriam escravos também?
Lucas Mendes, colunista da BBC Brasil, explica o fenômeno (leia na íntegra aqui):
Elizabeth Cleine é escritora e repórter. Passou três anos na investigação da indústria, entre eles um ano disfarçada de compradora de roupas americanas nas fábricas da China e de Bangladesh. O resultado foi o livro Overdressed - The Shockingly High Cost of Cheap Fashion.
(...)
Muito antes das duas tragédias ela culpou o insaciável consumidor americano e as máquinas de vendas e promoções das grandes redes de roupas - H&M, Zara, Gap, Uniqlo, Joe Fresh e dezenas de outras que mudaram o conceito da moda moderna.
Antigamente havia os lançamentos de outono/inverno e primavera/verão. Hoje as lojas ganham na venda por volume e os inventários mudam em menos de um mês.
Uma americana tem, em média, 350 peças de roupas nos armários, gavetas, caixas debaixo das camas e nos porões. Compram em média 68 vestidos e 7 sapados por ano, o dobro do que consumiam em 1950, e gastam apenas 3% do salário anual. Nos antigamentes dos anos 50, guarda-roupa representava 17% da renda familiar.
Este furor de consumo de roupas baratas gerou as expressões "roupas descartáveis" e "indústria fast fashion". A escritora acha que existe uma relação social e cronológica entre "fast food" e "fast fashion" . As duas explodiram quase ao mesmo tempo.
Elizabeth conta o exemplo da mulher que chega na loja e, no impulso, pelo preço, compra uma blusa bonita por US$ 10. Em casa, acha a blusa jeca, mas o preço é tão baixo que não vale a pena perder tempo com a devolução. Leva para as agências de caridade com outras que estavam na pilha das descartáveis.
(...)
Na indústria da fast moda, o trabalhador de Bangladesh é um bem tão descartável quanto as roupas que ele fabrica.
Acredito, que à essa altura, já não é tão fácil assim engolir que a escravidão é um regime falido. O que talvez dificulte ligar os pontinhos entre uma coisa e outra é que no imaginário de muita gente persiste a separação entre "trabalho escravo" e "escravo". Como se "escravo" fosse joio e trabalho "escravo", trigo. Se é que é possível, já que são tudo farinha do mesmo saco.
De todo modo, a impressão que tenho é que ao se deparar com a expressão "trabalho escravo", muitas pessoas admitirão sua existência, mas se ouvem apenas a palavra "escravo", então algo de místico e nostálgico parece envolver o termo e se tende a relegá-lo ao passado distante. Só que não. A escravidão continua firme e forte seja no sentido de tráfico de seres humanos seja no de exploração de mão de obra.
Na verdade, o termo atual de "escravidão" forma um leque de conceitos que abrance diferentes formas de exploração. No ano passado, a Organização Internacional de Trabalho (OIT) estimou que 21 milhões de pessoas estão envolvidas em trabalho forçado ou outros tipos de escravidão moderna.
Uma das convenções recentemente adotada pela OIT que versa sobre o trabalho forçado o define como uma situação em que as pessoas trabalham contra sua vontade e são incapazes de se livrar dessa situação sem punição ou ameaças. Qualquer semelhança com esse "passado dsitante e nostálgico" não parece ser nenhuma coincidência.
Mas não adianta culpar só as grandes escravagistas da indústria da moda, soja ou tecnologia, não. Nós, reles e inocentes consumidores também fazemos um desserviço à humanidade financiando, ainda que por vezes sem o saber, trabalho escravo ao redor do globo. A diferença é que a maioria dessa grandes corporações são conscientes de que estão encorajando esse sistema tão obsoleto, tão desumano, tão... tão atual e presente nas nossas vidas mais do que imaginamos ou queríamos. O problema é quando temos consciência disso e resolvemos não fazer nada.
Eu sei que parece um karma, minha gente. Afinal, Jobs amaldiçoou uma geração inteira ao inventar coisas que ela nem sabia que precisava. Exceto aqueles que não se deixam tentar pelos produtos da maçã, todo o mundo [com dinheiro] cai aos pés deste consumo desenfreado até acabar, consciente ou não, arrendando seu próprio escravo.
Ah, você acha que não? Não compra roupas da Emme nem Luigi Bertolli, não come no McDonald's nem calça tênis da Nike? Pois bem. Você sabe de onde vem o algodão da sua roupa, por exemplo? Se sabe e acredita que a fonte é fidedigna, não tem qualquer pacto com trabalho forçado, então que bom.
Caso contrário, se agora está com pulga atrás da orelha e acha que vale a pena a reflexão, gostaria então de fazer mais um convite indiscreto. Se você topar, depois me conta como foi? É bastante simples: acesse a página do Slavery Footprint, um aplicativo desenvolvido para calcular quantos trabalhadores escravos estão envolvidos na cadeia produtiva dos produtos que fazem parte do nosso "estilo de vida" com base em regiões onde o trabalho forçado é usado na produção desses bens.
Milhões de pessoas de mais de 200 países já visitaram o slaveryfootprint.com para descobrir sua conexão com o trabalho escravo moderno. |
Composto por um banco de dados com com informações sobre mais de 400 produtos divididos por matéria prima (por exemplo, algodão da sua camiseta, grãos de café, capacitores do seu celular etc.), o Slavery Footprint faz perguntas sobre quantos aparelhos eletrônicos você possui, se utiliza cosméticos, quantas roupas têm, entre outras, e computa os pontos a partir do número de trabalhadores escravos utilizados por produto. Os dados são do Departamento de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas e do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, da Transparência Internacional, da Organização Internacional do Trabalho, entre outros.
Mas se quiser pular todo esse lenga lenga, se gosta de sofrer de uma vez, confira a lista de links abaixo de marcas que usam ou já usaram trabalho escravo:
Guarantee Your Favorite Brands are Slavery-Free - Do Something
Brands You Should Avoid because They Use Child and Slave Labour
Slavery Footprint - Consumer Brands That Use Slave Labor
5 Giant Companies Who Use Slave Labor - Boy-Cott Magazine
ESCRAVOS DE JÓ, DE JANA, DE VOCÊ
Escravos de Jó jogavam caxangá
Escravos de Jó jogavam caxangá.
Tira, bota, deixa ficar...
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá;
Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue zá.
A cantiga de roda Escravos de Jó dá pano para muita manga: além de controvérsias sobre a origem e significado da letra, muito se discute sobre se Jó tinha realmente escravos e o que era esse tal de caxangá.
Bom, em primeiro lugar, as diferentes hipóteses mostram que caxangá pode se referir a uma espécie de crustáceo, bem como a saquinhos utilizados no contrabando de sementes para as senzalas, "mata extensa" em idioma indígena, entre outras possibilidades.
Bom, em primeiro lugar, as diferentes hipóteses mostram que caxangá pode se referir a uma espécie de crustáceo, bem como a saquinhos utilizados no contrabando de sementes para as senzalas, "mata extensa" em idioma indígena, entre outras possibilidades.
Em segundo lugar, Jó é um personagem bíblico do antigo testamento que possuía grande paciência e tinha muitas posses, e foi vítima de uma aposta entre deus e o diabo de que, segundo o primeiro, mesmo perdendo as coisas mais preciosas que possuía (filhos e riqueza) não perderia a fé. Eis a origem da expressão "Paciência de Jó".
A título de curiosidade, o zigue zigue zá pode ser uma alusão à forma como os escravos fugitivos que corriam, isto é, em ziguezague, para despistar os capitões do mato.
Em relação à discussão em questão, passagens no próprio livro de Jó, dependendo da versão traduzida, mostram que Jó tinha, sim, escravos, os quais inclusive foram dizimados por fogo vindo do céu ou pelo fio da espada de outros povos que invadiram as terras onde trabalhavam. E o que quer que seja caxangá, era algo que eles precisavam passar de lá pra cá, tal qual em um trabalho manual e repetitivo, similar ao que desenpenham escravos em geral.
O engraçado dessa história é que todo esse impasse na dicussão em torno da posse de escravos ou não, visto como algo condenável, e a origem de caxangá me faz pensar: o que quer que seja caxangá, ele parece ter à procedência tão obscura quanto a de produtos que consumimos sem saber de onde vem e por escravos que não sabíamos que tínhamos.
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Trabalho escravo no Brasil do século XXI - Organização Internacional do Trabalho
Polícia Federal liberta 80 estrangeiros de trabalho escravo no DF
Slavery still rife in the USA
Vídeo:
Slavery by another name
Slavery: A 21st Century Evil - Food chain slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Sex slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Prison slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Bridal slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Charcoal slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Child slaves
Slavery: A 21st Century Evil - Bonded slaves
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